Nos últimos meses, rebranding virou assunto nas agências de comunicação e nos principais assuntos na mídia e na internet.
Infelizmente, a visibilidade não foi positiva. Pelo contrário, as mudanças na identidade visual e posicionamento de marcas tradicionais geraram críticas negativas do público em geral.
A Jaguar e a Chiquinho Sorvetes amargaram essa audiência. Ambas apostaram em novos logos mais minimalistas e inovadores. Porém, arriscaram mudanças drásticas, como a exclusão do icônico felino, tipografia minimalista e cores vibrantes – no caso da Jaguar, e formas mais simplificada e nova tipografia – no caso da Chiquinho.
Em comum, as duas marcas ainda estão gerenciando todas as críticas que receberam. A Jaguar, por exemplo, está rompendo o contrato com a Accenture Song, agência de publicidade que fez o rebranding. Enquanto isso, por aqui, a Chiquinho Sorvetes, que já até fez repaginação de lojas, tem que lidar com constantes mensagens de fãs da marca pedindo a volta do logo anterior.
É fato que a mudança de uma identidade visual não reflete apenas na estética. Vai além, pois afeta a reputação da marca, percepção do público e impacta até mesmo nos indicadores financeiros da empresa. Por isso, o rebranding é uma estratégia desafiadora e muito cautelosa.
Para entender sobre o tema, convidamos a diretora de Arte, Maura Hayas, para falar sobre os desafios do rebranding. Com sua experiência e olhar analítico, ela analisa os casos da Jaguar e da Chiquinho Sorvetes e traz aprendizados que ela acumula na sua vasta trajetória em Design.
Maura atua na área há 30 anos e entre funções na área criativa, é a atual diretora de Comunicação e Arte da Presstexto. Por aqui, lá dirigiu importantes contas, como Bloomin’Brands Brasil, Pirelli e Dasa, na qual conduziu o rebranding recentemente.
Essa entrevista exclusiva é uma aula sobre rebranding!
PressTexto: Na sua visão, o que motiva uma marca a fazer um rebranding? É apenas estética, acompanhar tendências ou envolve questões mais profundas de posicionamento?
Maura Hayas: Vários fatores podem motivar uma empresa a fazer rebranding: reposicionar a empresa no mercado, lançar novos produtos, celebrar alguma data marcante, redirecionar seu corebusiness, modernizar a marca para ampliar o alcance ou o público-alvo, etc.
Às vezes o rebranding é necessário para atualizar a marca, torná-la mais próxima do público. Pode até ser pela estética, mas se for apenas isso, na minha visão é jogar dinheiro fora. Até porque rebranding não é sobre desenho de marca, mas sobre propósito, função, exposição, sentimento.
Uma marca não é só um desenho, ela é a personificação de uma empresa, carrega os valores, as crenças, a missão daquela entidade. É como se uma pessoa, um dia, resolvesse trocar de rosto ou de membros (se isso fosse possível). Por que ela fez isso? Como essa mudança pode torna-la mais próxima das pessoas? Essa mudança transmite o que essa pessoa pensa, fala, veste?
Quais cuidados são necessários e quais times são envolvidos durante esse processo?
A primeira coisa, básica, e que, infelizmente, muitas empresas não fazem, é ouvir o seu público. Como o público-alvo – empregados, terceiros, acionistas, fornecedores, credores, sociedade – percebe a marca? Que mudanças o público gostaria de ver? Como essa marca se comunica com o público? Ela é jovem e quer atingir um público sênior? Ou vice-versa? O que pensa esse novo nicho? O que ele consome, o que deseja, como se sente bem? Que produtos/serviços ele recomenda? Sem a pesquisa, o rebranding vai patinar entre as teorias do marketing e as necessidades da direção ou acionistas.
Segundo, é importante saber com clareza por que se quer mudar? Existe uma razão clara? Essa mudança é necessária agora? Se não for, é mais desperdício de dinheiro, porque rebranding precisa de orçamento de comunicação. E isso costuma custar bem mais do que o próprio redesenho.
Também acredito que essa revisão da marca precisa envolver mais áreas do que apenas Marketing, Vendas, Negócios, Diretoria. A área de Pessoas é fundamental, pois é quem lida com os empregados e terceiros e, portanto, conhece um pouco do coração da empresa, que é quem a movimenta no dia a dia – empregados, funcionários, colaboradores, não importa o nome, são as pessoas que carregam a marca de uma empresa para o mundo. Do entregador ao CEO.
Falando do caso da Jaguar, qual a sua análise sobre o rebranding e os principais erros cometidos que geraram toda repercussão negativa no cenário global?
Eu sou uma pessoa leiga tanto em relação ao mercado de luxo como de automóveis. Com as pouquíssimas informações que eu tenho sobre a Jaguar -empresa inglesa tradicional no mercado de automóveis de luxo, criadora de modelos icônicos e desejados no mundo todo – e tendo assistido à peça de lançamento da nova marca, de cara já sei que não ouviram o público tradicional da marca.
Eu tenho a sensação de que eles queriam mirar na geração Z, que tem essa tendência mais disruptiva, mas a questão é que a geração Z não é fã da Jaguar. Então eles conceitualmente tentam conectar juventude, revolução de costumes, movimento, ambição, provocação a uma marca que é tradicional e que carrega valores como durabilidade, design, estilo, luxo. Não cola.
E eles colocam um monte de gente jovem, que não é fã da marca (quando eu falo fã, é fã mesmo, é o cara que gasta muita grana num carro como esse e que o tem como joia) sentada numa pedra num cenário apocalíptico cor de rosa. E assinam com um logotipo que em nada lembra a Jaguar.

Além disso, do começo ao fim do filme não vemos um único modelo da Jaguar. É só gente em fundos coloridos com roupas coloridas e palavras de ordem. Como pode dar certo fazer um rebranding de uma marca tradicional de carros e não colocar um único carro no filme? As pessoas sentam em uma pedra. O que isso significa? Mas alguém gostou desse resultado. E aprovou achando que ia arrasar, além de gastar uma grana em comunicação. Eu posso apostar que a aprovação final não foi de um cara da geração Z. Porque essa campanha é o clichê do clichê da liberdade e diversidade da juventude. Ou seja, não é real.
É possível prever esses erros? Como outras marcas podem aprender com esse case?
Não sei se é possível prever todos os erros que podem acontecer em um rebranding. Acho que não, mas dá pra fazer alguns estudos. Além da pesquisa, imprescindível, acho que fazer pequenos grupos de teste conforme são apresentadas versões da marca revista é uma ideia produtiva. Envolver várias áreas no briefing também é importante. Partir da essência também é fundamental.
Quando a PressTexto fez 10 anos, chamamos uma agência parceira para fazer o rebranding. No nosso caso era necessário pois quando começamos não havia internet e nossa marca tinha um desenho muito antigo. Queríamos modernizar e valorizar a marca.
Nossa essência sempre foi o X e conseguimos mantê-lo no novo desenho. Isso ajudou a gente a não sofrer tanto com a mudança. Ao mesmo tempo foi legar porque pudemos realmente modernizar nosso material. E a marca dura até hoje, o que é um bom sinal.
Agora, a lição maior, pra mim, é: abra os olhos e os ouvidos. Feche a boca enquanto não ouvir nem enxergar claramente o que é preciso mudar. Esqueça a vaidade.
Já no cenário nacional, a marca Chiquinho Sorvetes também teve um rebranding conturbado. Quais fatores você acha que causaram tanta crítica e por que?
Eu vejo o mesmo problema. Não ouviu o público, não envolveu áreas de pessoas no briefing, e, sinceramente, a marca não precisava de rebranding.
No caso da Chiquinho me dá a sensação que eles queriam deixar a marca mais “adulta” ou mais “séria”. Antes eles tinham uma marca em duas cores de tons abertos – vermelho e azul – e Chiquinho escrito como um nome próprio no centro.

A marca era clara, divertida, tinha um tom lúdico e era claramente identificada com o seu propósito – fazer sorvetes deliciosos e cremosos. Então eles mudam para cores fechadas – marrom, vermelho escuro -escrevem CHIQUINHO em caixa alta, descaracterizando a personificação.
Mas o pior é justamente trazer um ícone de sorvete, que empobrece o conceito inicial da marca. Então agora a Chiquinho precisa dizer que é a Chiquinho Sorvetes? A marca já comunicava isso, esse ícone é simplesmente inútil e um ruído, pois parece desenho pronto, o que em nada se comunica com o valor que eles vendem – sorvetes saborosos.
Podemos dizer que a Jaguar e a Chiquinho buscaram inovar e inovação é essencial para a saúde das marcas em um ambiente tão acirrado e dinâmico. Porém, como equilibrar a inovação visual sem perder a essência da marca?
Primeiro é preciso que todos os envolvidos nesse processo realmente conheçam profundamente a essência da marca. O que faz aquela empresa ficar em pé? Você sabe o que conecta as pessoas? O que dá senso de pertencimento?
Segundo rebranding não é criação de uma pessoa, é um conceito coletivo, não dá pra deixar ego e vaidade entrarem. Tem de ouvir, muito, uns aos outros. Tem de esgotar todas as perguntas.
O briefing é a alma de um rebranding, então esse processo de descobrir ponto a ponto o que representa essa marca é fundamental para se chegar numa roupa nova para ela. Se o conteúdo for consistente, a marca vai se vestir de acordo. Tem de confiar no processo, mas sempre escutar uns aos outros e o público.
Falando em processos de rebranding, qual a importância da comunicação integrada nesse tipo de movimento, desde o anúncio até a experiência com os públicos interno e externo?
Total, né? Por isso eu digo que o rebranding deve ser gerido por um grupo multidisciplinar. Todas as etapas de comunicação devem ser planejadas conjuntamente para que os públicos interno e externo sejam comunicados corretamente.
Por exemplo, um restaurante que renove sua marca, terá de refazer uniformes. Então já sabemos que o empregado será informado com antecedência sobre a nova marca. A Comunicação Interna prepara um kit com o novo uniforme, numa embalagem bacana, com o nome de cada empregado. Aí faz-se um workshop no restaurante para falar sobre os novos uniformes e no evento, além de mostrar como se veste, pode-se fazer atividades lúdicas, com um desfile dos empregados. Assim, o próprio empregado já começa a se relacionar afetivamente com a nova marca e, ao atender os clientes, será a marca ali presente.
Como essa pessoa que veste uma marca se comporta é resultado de trabalho interno de comunicação. Quando a comunicação sai pra rua, internamente ela precisa ter sido já trabalhada porque o empregado pode ser o promotor ou o detrator da marca, então ele é o primeiro alvo. Isso precisa estar bem concatenado entre as equipes de pessoas e Marketing.
Não dá pra trabalhar separado. Mesmo com objetivos diferentes, Marketing e Comunicação Interna são totalmente complementares em suas funções.
Trazendo para o lado prático, qual exemplo de rebranding você tem para compartilhar? Qual foi o desafio e como foi desenvolvida a solução?
Como agência de Comunicação Interna da Dasa, a PressTexto participou da virada da marca em 2021, momento em que a Dasa adquiriu a Rede Ímpar. Nós tínhamos de comunicar aos mais de 11 mil colaboradores da Rede Ímpar que eles passariam a ser Dasa. E aos colaboradores Dasa que havia mais 11 mil pessoas chegando.
A Dasa já era uma empresa conhecida e no momento da fusão repaginou a logomarca trazendo um novo manual e novas cores para os hospitais adquiridos. Para os colaboradores que vieram da Rede Ímpar, a mudança era gigante: de empresa, de local, de nome, de identidade.
E pior: desde 2018 tínhamos estabelecido uma nova linha editorial, com um slogan que seguia todas as peças: Juntos somos uma rede. Somos todos Ímpar. Ainda estávamos sedimentando esse pensamento nos colaboradores. Porque é um pensamento profundo que você precisa buscar quando estabelece um conceito. Nesse caso, especialmente na pandemia, buscávamos o senso de pertencimento, afinal, os 70% dos colaboradores atuavam na linha de frente dos hospitais.
Quando houve a aquisição e a virada da marca, internamente tínhamos o desafio de levar esse senso de pertencimento da Ímpar para a Dasa.
O medo geral:
Não somos Dasa. Somos Ímpar. Somos diferentes. A empresa é diferente, tem mais pessoas, outros negócios (laboratórios, gestão de saúde), como podemos nos sentir parte disso?
A resposta que demos:
Sabemos que somos diferentes, sabemos que agora somos muitas pessoas (50 mil), mas podemos unir nossas forças, tecnologias, conhecimentos em prol da saúde integral das pessoas.
Assim criamos o conceito da campanha de virada da marca: Somos muitos. Somos Diversos, E juntos, somos uma só Dasa.
Esse conceito foi multiplicado em peças diversas, vídeos, brindes de forma a construir um novo pensamento coletivo que abarcasse o orgulho de pertencer que já existia.
Quando a gente fala de público interno, especialmente, não falamos apenas de consumo, mas de orgulho, ainda mais se tratando de uma instituição de saúde.
E mesmo esse trabalho de comunicação interna de rebranding, deve ser seguido de uma comunicação consistente no pós. No caso da Dasa, logo depois da virada da marca começamos a trabalhar a Cultura Dasa, afinal, mais de 12 mil pessoas foram agregadas à marca.
Por fim, se você pudesse deixar um alerta ou insight sobre esses cases estudados, qual seria?
Na PressTexto somos guiados por três palavras-conceito:
- Ouvir (um bom briefing resolve 50% do problema)
- Entender (para planejar a partir da realidade)
- Comunicar (só depois de ouvir e entender a gente consegue criar a comunicação com o outro)
Comunicar não é sobre mim, nem sobre você. É sobre nós. Sempre. Ignorar isso é um erro.
O rebranding não pode parar na mudança de logo
Como aprendemos com a Maura, o rebranding é mais do que uma nova identidade visual e precisa ser sentido, compreendido e vivido por todos os públicos da sua marca.
A PressTexto atua de forma estratégica para garantir que sua transformação seja comunicada com clareza, consistência e conexão entre todos os seus públicos, desde a equipe interna ao mercado.
Se sua marca está passando ou vai passar por um rebranding, fale com a gente. Vamos juntos construir a comunicação que sustenta com autenticidade essa nova fase!
Por: Van Martins
